terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

''MISSÕES É OBRA URGENTE '' !


Pois é, quem diria... Pisar no continente africano e poder falar lá da minha fé. Atravessar um oceano pra fazer diferença no meio de um povo que não é o seu. A consciência do que é um país africano, do que é a África, era algo tão ingênuo e vago na minha mente antes de visitar Angola e África do Sul. Os 27 dias em Luanda, capital da Angola, e os 14 dias em Johannesburg, maior cidade sulafricana, foram a princípio instrutivos. Eu pude ver o quanto era tolo nas minhas impressões sobre esses dois países.




Primeiro Luanda é uma cidade enorme e, pelo menos no que eu pude conhecer dela, um misto de nordeste brasileiro com favelas do Rio de Janeiro e ruas de Salvador. Muita poeira, lixo e pobreza. Imigrantes do Congo, de Cabo Verde, da Nigéria e de tantos outros países africanos. Isso sem contar os moradores de outras províncias que, para fugirem da guerra (debelada em 2002), fugiram para Luanda. Com capacidade para abrigar 400.000 pessoas mas com 2 milhões de habitantes, Luanda apresenta ausência de higiene, saneamento básico, água, recolhimento de lixo e outros diversos problemas decorrentes da superpopulação.
Mas nem tudo é causado pelo excesso de habitantes. A guerra e a colonização escravizante deixou suas sequelas na alma daquele povo. Sua aversão a turistas e, principalmente, a portugueses e um comportamento às vezes agressivo, mesmo nas crianças, pode criar uma atmosfera ameaçadora. Apesar disso o povo angolano é muito receptivo aos brasileiros, o que merece um capítulo à parte.



Os angolanos acompanham nossas novelas e telejornais, ainda que de forma inversa à nossa lei de audiência (lá a Rede Record é líder, seguida pela Rede Globo). Além disso eles ouvem nossas músicas, amam nosso futebol e aspiram vir para nossa terra, visitar nossas praias e cidades cheias de oportunidade (!). O gosto musical pode ser considerado duvidoso para muitos (eu, inclusive) porque bandas que fazem sucesso lá são KLB, Zezé de Camargo e Luciano e Calypso, entre outros.


Essa é, pelo menos, a impressão de alguém que ficou num dos bairros mais pobres de Luanda, o Palanca. Com problemas graves de tráfico de drogas, brigas de gangues, ruas engarrafadas e lixo por toda a parte o Palanca pode muito bem ser considerada uma favela angolana, apesar de ficar em uma região plana da cidade. Na casa em que ficamos, por exemplo (os fundos de um frigorífico brasileiro) tínhamos como vizinho da frente um viciado em drogas que constantemente recebia, à luz do dia, clientes e fornecedores. Mesmo numa realidade dura e perigosa as crianças da vizinhança foram muito abertas ao evangelho. Elas iam à nossa casa todos os dias espontaneamente para ouvir histórias bíblicas, aprender canções que falavam de Jesus e levar alegria e presentes (como esculturas de Jesus feitas de uma mistura de lama e lodo).

Esses problemas com drogas não eram, obviamente, exclusividade do Palanca. No orfanato que trabalhamos, Jesus Nuestro Modelo (http://www.jesusnuestromodelo.com/) encontramos crianças dependentes de drogas como a cola de sapateiro, tão comum nas ruas de São Paulo. Essas crianças, apesar dos esforços dos obreiros, não conseguiam ficar muito tempo na casa e logo voltavam para as ruas. Ao conversar com as crianças atendidas pelo orfanato, a maioria entre 8 e 13 anos de idade, notamos que muitas não eram na verdade órfãs mas que tinham ou fugido de casa ou tinham sido abandonadas. Depois de algum tempo em contato com elas a agressividade e inibição iniciais eram substituídas por demonstrações de afeto e carência.

Nas igrejas a realidade não foi muito menos dura com as crianças. Uma vez presenciamos numa igreja crianças serem impedidas de entrar porque estavam sem a roupa apropriada, o que era absurdo considerando a realidade em que viviam e que o culto era especialmente com atividades para crianças. Com isso percebemos uma infância subestimada e ignorada. Me faz temer o que virá na próxima geração...



Johannesburg, ou apenas Jo'burg, era uma cidade com toda a aparência de uma grande cidade de primeiro mundo. Ruas largas e limpas, uma aparente ordem nas ruas, prédios bonitos e economia forte. Essa aparência não durou muito tempo. A base da Jocum em que ficamos, sede do Joseph Project (http://www.josephproject.org.za/), recebia diariamente dezenas de crianças de 8 a 15 anos que não tinham espaço apropriado em suas casas para estudar. Isso acontecia porque cada cômodo das casas de aparência tão agradável abrigava uma família inteira. A pobreza contrastava com as ruas de aparência aristocrática. Ao passarmos em frente de uma mansão próxima à base da Jocum num trabalho de rua que estávamos fazendo uma das garotas que assistia da varanda perguntou se não tínhamos 5 rand para lhe dar (o equivalente a mais ou menos R$ 1,50).


Se em Luanda tínhamos encontrado agressividade em Jo'burg isso era mais incisivo. Mesmo as crianças demonstravam uma resistência veemente a qualquer repreensão vinda de um branco. Ainda assim, da mesma forma que em Angola, a recepção a brasileiros é boa, apesar de não conhecerem tanto da nossa cultura quanto seu vizinho africano. Também como em Angola e por motivos diferentes se encontram muitos imigrantes de outros países, muitos de língua portuguesa (apesar da língua oficial sulafricana ser o inglês - vale mencionar, um inglês britânico com uma pitada africana). Essa presença massiva dos chamados portugueses(assim eran chamados todos que falavam português) acabou estimulando o surgimento de várias igrejas de língua portuguesa, como algumas em que tivemos oportunidade de ministrar.



Foram duas experiências completamente diferentes em vários aspectos mas tão similares em outros. Perceber traços tão parecidos em pessoas vivendo em realidades tão diferentes e tão similarmente pobres nesses dois países me fez refletir sobre a miséria que habita o espírito humano a despeito da realidade ao redor. Eu sei que você vai me dizer "fácil pra você refletir sobre a miséria em 40 dias, queria ver você pensar assim depois de 10 anos". Mas eu arrisco dizer que sim, que a miséria habita no espírito de muita gente ali.
Pude confrontar a percepção da realidade de pessoas alcançadas pelo amor de Cristo e Sua Salvação e das pessoas sem esse amor. Pude ver crianças com os olhos brilhando ao contar pra elas histórias como a de Jesus curando uma mulher com fluxo de sangue ou a de Davi derrotando o gigante pelo poder de Deus. Esperança era o que alimentava aqueles olhares, a esperança de vida no meio do vale da sombra da morte. Esperança de que aos olhos de Deus não importava que eles fossem pobres, ou doentes, ou que tivessem sido abandonados por suas famílias. O Deus Todo-Poderoso ainda os amava e queria tê-los como amigos, como filhos. Que Ele acalentaria seus corpos frágeis e seus corações feridos. E isso não é pura linguagem poética, meu caro leitor. Para escrever essas palavras estou trazendo à minha memória os rostos e vozes e abraços daquelas crianças. Crianças angolanas, sulafricanas ou brasileiras, não importa. O amor de Cristo é o mesmo e faz o mesmo por todas elas. E eu pude presenciar isso.
Obrigado Pai...
Abaixo segue o vídeo de divulgação do projeto feito pelo Felipe Duarte, líder da equipe do projeto África

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